Representantes da International House of Pancakes conversam com players locais para estrear no modelo de franquia em 2024. País volta ao radar de marcas estrangeiras
Indicadores e perspectivas mais favoráveis de desempenho da economia começam a colocar o Brasil novamente no radar de marcas internacionais com planos de expansão.
Neste ano, pelo menos duas grandes redes de varejo anunciaram que fincarão pé no país. A sueca H&M, com cerca de 5 mil lojas no mundo, e a plataforma chinesa Shein.
É bem verdade que a H&M chegou a cogitar a vinda para o Brasil e desistiu, assim como marcas que aqui estiveram já saíram, como Camper, Ralph Lauren, Longchamps, Kate Spade, Panerai.
O que ocorre agora, de acordo com consultores de dentro e fora do país, não é uma onda de investimentos estrangeiros como se viu em 2012 e 2013, mas a volta do interesse pelo Brasil.
Jorge Lizan, especialista em expansão internacional de marcas, com escritório em Nova York, esteve há duas semanas no Brasil, onde não colocava os pés havia pelo menos seis anos.
“O que dá para dizer é que o Brasil começa a ser considerado por algumas marcas, mas ainda de forma prematura, por ter uma economia fechada e protecionista”, afirma.
A vinda de Lizan ao Brasil está relacionada com a decisão de uma das maiores redes de restaurantes dos Estado Unidos, a Ihop, de entrar no Brasil pelo modelo de franquia.
Com mais de 1.600 franqueados no mundo, a Ihop (International House of Pancakes), fundada em 1958, na Califórnia, é especializada em panquecas para o café da manhã.
Desde 2007, a Ihop é dona da Applebee´s, com restaurantes no Brasil desde 2004. No Estado de São Paulo, eles são tocados pelos sócios Oswaldo de Oliveira Netto e Derek Wagner.
De acordo com Lizan, para estrear no Brasil, a rede norte-americana está conversando com cerca de dez players brasileiros das áreas de restaurantes e entretenimento.
“Vim para o Brasil a pedido do cliente. Nos últimos anos, as preferências para expansões são países como México, Colômbia, Peru e Chile, que possuem mercados mais abertos”, diz.
No caso do setor de restaurantes, afirma, faz mais sentido uma marca estrangeira ter interesse pelo Brasil porque não precisa importar, diferente de outros setores, como o de moda.
Se a economia brasileira fosse menos protecionista e tivesse um sistema de tributação menos complexo, de acordo com ele, certamente haveria uma enxurrada de marcas por aqui.
“O problema não é político, é econômico. É caro importar e também existem taxas para mandar dinheiro para fora. O Brasil ainda não é bom para marcas internacionais”, diz.
No caso de restaurantes, diz, com um parceiro local, a viabilização do negócio fica mais fácil.
O Diário do Comércio apurou que outra rede de restaurantes dos EUA, a Dave & Buster´s, com sede em Dallas, está prospectando o mercado brasileiro.
Com cerca de 150 pontos nos Estados Unidos, Porto Rico e Canadá, a empresa, fundada em 1982, possui serviços de restaurante, bar e fliperama.
FRUSTRAÇÃO
Para Maurício Queiróz, arquiteto especializado em varejo, o Brasil vive um momento diferente daquele em que o Cristo Redentor aparece decolando na capa da revista Time, em 2009.
“Era um momento interessante, muitas marcas entraram aqui. Só que depois viram como as regras trabalhistas, tributárias são complexas e acabaram se decepcionando”, diz.
A Pandora, fabricante dinamarquesa de jóias, cita ele, é uma marca que veio com planos ambiciosos de expansão no Brasil, mas passou a operar de forma mais comedida.
A Omega, empresa suíça de relógios de luxo que chegou a ter várias lojas no país, agora só tem uma no shopping Cidade Jardim. Há dezenas de exemplos como esses.
“Mas sinto que algumas marcas, especialmente de alguns setores, como alimentação e beleza, estão de novo considerando o Brasil”, diz Queiroz.
PERFUME
Representantes da marca mexicana de perfumes Fraiche, empresa que nasceu em 1989 com a venda de perfumes e essências no sul da Cidade do México, estão prospectando o Brasil.
O mercado brasileiro, diz, é interessante para alguns nichos.
No caso da Fraiche, o que chama a atenção, diz, é o mercado de mais de 200 milhões de habitantes, terceiro maior do mundo em consumo de cosméticos e o segundo de perfumes.
Só que a complexidade do modelo tributário brasileiro, diz, assusta os investidores.
“Tenho uma empresa há 30 anos e, quando consulto profissionais da área sobre alguma tributação, eles próprios pedem um tempo para me dar a resposta. Se quem é especialista aqui tem dificuldade, imagina quem é de fora”, diz.
Marcos Hirai, consultor e sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas), diz que buscar franqueados para operar marcas internacionais aqui é mais difícil.
“O empresário brasileiro é muito desconfiado. Mas vejo que algumas marcas passaram de fato a considerar o Brasil em seus planos de expansão.”
A decisão da H&M de entrar no Brasil, diz, acabou puxando outras marcas.
“Nós últimos 60 dias, representantes de pelo menos seis marcas internacionais me procuraram para obter informações sobre o mercado brasileiro de varejo”, diz.
ECONOMIA
Muito desse interesse, afirma ele, tem a ver com a melhora na classificação de risco do Brasil pela Fitch Ratings que elevou o país do grau BB- para BB.
Se subir mais duas posições, o Brasil volta a conquistar grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador, condição que tinha entre os anos de 2008 a 2015.
Perspectivas de juros em queda e uma visibilidade mais positiva decorrente de idas e falas do presidente Lula no exterior, diz, também contribuem para as marcas lembrarem mais do Brasil.
Além dos setores de alimentação e cosméticos, diz ele, algumas marcas estrangeiras também estão interessadas em disputar o mercado brasileiro de artigos esportivos.
“Eles querem saber como estão o mercado de shopping centers, vacâncias, o ambiente para negócios, oportunidades”, afirma Hirai.
Marcas brasileiras, diz, também estão mais animadas neste semestre. “Com os avanços na economia, é natural que os empresários fiquem mais à vontade para investir.”
Para Queiroz, depois da pandemia, no entanto, surgiu um movimento diferente dos empresários em relação à abertura de novas lojas.
“O pensamento de antes era o seguinte: para ganhar mais dinheiro era preciso abrir mais lojas. Hoje não, pois a pandemia abriu leques de possibilidades.”
Hoje, diz ele, os varejistas buscam eficiência por meio de parcerias, vendas em outros canais (e-commerce, WhatsApp), são mais conscientes, não dependem somente da loja física.
“Faz sentido agora lojas que agregam valor, pontos de informação, de fidelização, que não necessariamente conclui uma compra, mas contribui para que o consumidor compre.”
Queiroz diz que há 13 anos participa da maior feira de varejo do mundo, a NRF, em Nova York, e o que ficou muito evidente no encontro deste ano é que “o tempo de abundância acabou”.
Uma prova desta mudança, diz ele, é a entrada de grandes redes, como Macy´s, Best Buy, na venda de produtos usados, uma tendência que só cresce em vários países.
“Os consumidores gostam porque, além de os produtos serem mais baratos, podem ser também exclusivos, e os lojistas gostam porque a rentabilidade também pode ser maior.”
Novos tempos no mundo do varejo, dizem os especialistas, e o Brasil tem as condições de ser protagonista com uma economia mais pujante, menos impostos e sistema tributário simples.
IMAGEM: Ihop/divulgação